O filme começa com uma frase de Sócrates sobre a indissociabilidade do prazer e da dor. Corta para uma panorâmico pela Freguesia do Ó, periferia de São Paulo e, numa fusão das imagens, o mesmo movimento em travelling da câmera mostra duas belas mulheres, loura e morena, dançando sensualmente. Contrastes? Sim, mas como veremos, nesta bela sequência de abertura, neste mundo, tudo está “junto e misturado”.
“Falsa Loura” conta a história da bela Silmara (Rosanne Mulholland), garota de periferia, operária de fabrica, que sustenta seu pai, o ex-presidiário Antero (João Bourbonnais) e busca reaproximar com o filho caçula, o cabelereiro Tê (Léo Áquila). Silmara é brava e fútil. Suas amigas são Luiza (Vanessa Prieto), Briducha (Djin Sganzerla) e a professora Ligia (Maeve Jinkings) além de um relacionamento ambíguo com a professora de dança Regina (Luciana Brites); são as que dançam no começo do filme. Silmara se envolve com o cantor Bruno de André (Cauã Reymond) em busca da ascensão social. Somente Luiza, sua confidente, fica sabendo que Bruno a tratou como uma prostituta. Após alguns incidentes, entre as quais a desconfiança voltou ao mundo ao crime do pai, intermediada pelo advogado do pai, o Dr. Vargas (Bruno de André), é contratada para passar um final de semana como acompanhante do cantor da música romântica Luís Ronaldo (Maurício Mattar) e de seu filho Leonel (Emanuel Dórea).
Se existem varias formas de se apreciar este “Falsa Loura” é porque Carlos Reichenbach tem, dentro de si, várias referencias. Homem de cinema, sua forma de ver o mundo é essa mescla da arte refinada e das experiências vividas desde os tempos da boca-do-lixo. Tanto que, em vários de seus filmes, se nos apresenta a erudição (filosóficas, literárias, musicais) há também o popular da rotina da fabrica, dos bailes e seus ídolos, dos contornos dramáticos do cotidiano. É um filme da trabalhadora de periferia como o são “Anjos do Arrabalde” e “Garotas do ABC”, da qual há muitos pontos de contato.
Carlos Reichenbach afasta-se do naturalismo e não tem pudores de apresentar, no mesmo filme, um drama, números musicais; ele se recusa a qualquer visão sociológica, como quem observa de cima: ele se vê junto e ao lado dos personagens. Faz um cinema puro e não teses. Não glamouriza nem exalta as dificuldades da dureza. Por isso a insubmissa Silmara busca a ascensão social mas também vê a impossibilidade de realizar seus sonhos e, em meio a isso, a vida se lhe transcorre com uma sucessão de fatos.
Reichenbach faz um cinema de riscos, da aventura de criar, sem concessões tão somente comerciais e, justamente por isso, está sujeito à sorte e às imperfeições. Não é preciso ser um conhecedor para apreciar seus filmes; é necessário, antes, ser um apaixonado por cinema, tanto quanto ele; sem se preocupar se é um filme comercial ou de arte, sem se apegar exageradamente ao roteiro, sem sequer buscar lhe impingir qualquer gênero ou rótulo, assim podemos curtir prazerosamente a “Falsa Loura”. Além disso, ainda temos a linda e talentosa Rosanne Mulholland e, se torcemos para a infortunada Silmara, também desejamos que sua carreira seja tão promissora quanto o seu desempenho neste filme.
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