quinta-feira, 11 de junho de 2009

PAI E FILHA – 1949 – Dir.: Yasujiru Ozu


A tradição do cinema japonês é das mais ricas da filmografia mundial; apesar disso, Yasujiru Ozu é esquecido até em seu país, como mostrou Wim Wenders em seu documentário “Tokyo Ga” e, ainda hoje, é o cineasta dos menos conhecidos no ocidente mesmo em sua época (começou nos anos 1920 com o cinema silencioso e encerrou nos anos 1962, quando faleceu). Um dos motivos é de que os distribuidores achavam que suas realizações eram demasiadamente japonesas, com pouco apelo comercial para os olhos ocidentais pois nada mostrava das aventuras de samurais ou de lendas mágicas japonesas. Ao contrário, com raras variações, Ozu filmava dramas familiares e urbanos, num Japão em processo de ocidentalização e do choque de gerações. Redescoberto após a sua morte, inclusive no Brasil, pôde-se constatar a universalidade de seus filmes, expostas com uma simplicidade temática e estética e cujas nuances, complexas, a tornam de uma beleza incomparável, uma referencia para cineastas contemporâneos como o próprio Wim Wenders e o iraniano Abbas Kiarostami.

“Pai e Filha” é um filme exemplar na sua monotemática filmografia. Ozu, com seu peculiar método, a câmera baixa e estática, a lente de 50 mm que não distorce nem enfatiza as imagens, a posição frontal dos atores, extrai o mais profundo retrato das relações humanas, da família e dos vizinhos, o amor não revelado, os compromissos que não poderão ser firmados, onde as verdades tem menor importância que os sentimentos, mas estes brotam, contemplativos, nas imagens fixas, sem que Ozu manipule quaisquer recursos que induzam o espectador. Ozu trata da incompletude da vida com serenidade, a aceitação que alguns já entenderam como um olhar zen-budista. A história é de extrema simplicidade. Pai viúvo e escritor (Chishu Ryu) e filha (Setsuko Hara) vivem juntos e em paz. No entanto, os vizinhos do vilarejo acham um escândalo a filha, aos 27 anos, ainda não ter arrumado um noivo. O pai também passa a se preocupar com a situação e se vale de alguns artifícios para lhe arranjar um esposo, à revelia da filha pois, para esta, o pai não pode viver solitário uma vez que o julga dependente demais. São felizes juntos mas, a esta felicidade, se impõe os valores sociais incontornáveis, para os quais não existe outro caminho senão à submissão. Basicamente, o filme é isso, e Ozu filma o dia a dia, sem que qualquer fato extraordinário quebre a linearidade do cotidiano, ainda que seja o do não acontecer.


É no ordinário da vida, de todas as nossas vidas, o campo onde Ozu extrai toda a sua poesia, muitas vezes de uma contida tristeza. O não dito, ou melhor, aqueles sentimentos os quais sabemos que as palavras dos personagens não expressam, é o que importa para Ozu. Indizível que vem por imagens de rigor formal, câmera baixa e fixa à altura dos tatames japoneses, nos torna como contempladores daquelas personagens, mais que espectadores ávidos por desenlaces emocionantes. Não, antes de tudo, Ozu nos respeita, e filma o tempo exato da vida e da natureza humana. Recusa-se a jogar com nossas emoções.Os personagens se dirigem diretamente a nós, ou seja, à camera sem, porém, nos olhar. O final do filme, na foto acima, o velho pai, agora definitivamente solitário, tem de aprender a descascar uma maça, é daquelas cenas na qual a tristeza encontrou a sua mais poética tradução. A vida é assim mesmo e aceitemos como ela é, parece nos dizer. Ozu é o mestre sereno que respeitou a vida e a natureza das coisas, então dediquemos a ele não apenas o todo nosso respeito, mas também o todo o nosso amor à beleza de seu cinema único e universal.

domingo, 7 de junho de 2009

RASTROS DE ÓDIO – 1956 – DIR. JOHN FORD


De todos os herdeiros da linguagem clássica criada por Griffith - e todos, de uma época do cinema, o são - John Ford é, pela excelência, o mais legítimo, acrescentando àquela gramática pioneira, a poesia (a beleza como retrata o velho oeste) e a prosa (a dimensão humana das pessoas simples). Clássico dos clássicos, John Ford jamais se considerou um autor; ficou famoso a sua apresentação, quando dizia simplesmente: “Meu nome é John Ford e faço westerns”.

Filmando longe dos estúdios, tinha o seu porto seguro, onde os mitos, com suas verdades e mentiras, com os vivos e os mortos, lhe eram presentes, somados à amplidão das pradarias, respirando a aventura e a liberdade: o Monument Valley, seu céu azul radiante e suas imensas e avermelhadas rochas brotando do chão. Nesta paisagem, John Ford realizou o mais belo e amargo de todos os westerns, “Rastros de Ódio”.

O filme narra a saga de Ethan Edwards (John Wayne), personagem solitário e taciturno, que teve o que lhe restou da família (a de seu irmão) dizimada pela tribo do Chefe indígena Scar, em busca da única sobrevivente, Debbie (Natalie Wood), raptada pelos índios e, como se verá, incorporada à tribo. É uma busca movido pelo ódio e pela vingança, especialmente pela morte de seu disfarçado amor por Martha, esposa de seu irmão e mãe de Debbie. A jornada dura seis longos anos, nas quais John Ford nos mostra, não sem chocar, o ódio que Ethan nutre pelos índios. É uma das polemicas do filme, porém bem menor que a do racismo explicito de Griffith em “O Nascimento de Uma Nação” em 1919. Mas não se pode acusar John Ford de racista; anos depois, ele faz “Crepúsculo de uma Raça”, libelo em favor dos povos indígenas dizimados pelos conquistadores brancos. O que move Ethan é a sede de vingança junto da qual todos os sentimentos envolvidos à ela, inclusive esse ódio. Por outro lado, não há qualquer exaltação aos brancos e às suas conquistas como em Griffith, sem esquecer que o próprio Ethan é um derrotado sulista; não é de nenhum processo civilizatório que trata o filme, mas de uma extrema amargura de Ethan a quem apenas a vingança faz algum sentido.


Não obstante a tragédia de Ethan (a interpretação de John Wayne figurará em qualquer antologia de qualquer gênero), John Ford principia, em sua filmografia, uma revisão dos mitos do oeste, a ponto de, nos posteriores “O Homem que Matou o Facínora”, e no próprio “Crepúsculo de Uma Raça” refletir que muitas das lendas não passaram de...lendas, e de mentiras que derramaram muito sangue, de índios e brancos. Mas John Ford sempre foi contrario a filmes de tese. O grande poeta e prosador do oeste encerra um ciclo de sua carreira,e o faz utilizando-se dos planos do inicio e final de “Rastros de Ódio”, uma porta que emoldura a chegada e a partida de Ethan e sua solidão ao vento. Dizem que Jean Luc Godard ia às lagrimas todas as vezes que assistia ao ultimo encontro entre Ethan e Debbie; desconfio que o bravo irlandês John Ford, ao filmar a cena, deva ter se afastado um pouco da sua equipe e vislumbrar a beleza do Monument Valley para não mostrar os seus olhos marejados.