domingo, 19 de abril de 2009

CASABLANCA - 1942 – Dir.: Michael Curtiz


Engana-se quem imaginar que “Casablanca” seja um filme “B”. Na verdade, a Warner, produtora o filme, se notabilizou por fazer filmes policiais e dramas urbanos, com temática mais adulta. Filmes mais suntuosos ficavam por conta da Metro, da Paramount, da Columbia. Deste modo, “Casablanca” teve um tratamento comum mas típico às demais produções da Warner. Mas, certamente, jamais os produtores puderam calcular seu imenso sucesso e muito menos o culto ao filme que se seguiu pelas décadas seguintes.

O filme retrata, em plena Segunda Guerra Mundial, a caótica cidade marroquina de Casablanca, onde vivem exilados e cidadãos de toda Europa fugindo dos nazistas que, no entanto, dominam a cidade com o colaboracionismo francês; se reúnem no Rick’s American Café cujo dono, o misterioso Richard Blaine, pouco contato mantém com os freqüentadores. É a história de Rick que acompanhamos com a sucessão de fatos dentro de seu bar, principalmente depois da chegada à cidade do casal Victor Lazlo, herói da resistência, e sua bela esposa, Ilsa. Veremos se tratar, na realidade, de um reencontro entre Ilsa e Rick, que um flashback explicará. Embalado pela canção “As Time Goes By” cantada por Dooley Wilson, a seqüência na qual vemos o perfil iluminado de Ingrid Bergman e a aparição abrupta de Humphrey Bogart é daquelas inesquecíveis de todo o cinema. A partir deste reencontro surgem os dilemas de Rick, de Ilse e do próprio filme, entre a resistência ao nazismo e à entrega ao amor.

O sucesso de “Casablanca” é a combinação de várias fórmulas. Numa filmagem caótica, nem os atores, o diretor e os diversos roteiristas sabiam onde ia dar, cada qual tinha a sua interpretação da história, e a tensão entre os que queriam enfatizar o drama romântico e os que trabalhavam para impingir o contexto político resultam numa surpreendente unidade fílmica. Coube ao competente diretor da Warner, o húngaro Michael Curtiz (já havia realizado “Robin Hood” e “Anjos de Cara Suja” com grande sucesso), juntar aquela gama de roteiros (baseado numa peça de teatro) entregues à medida que as cenas eram filmadas. Assim, apenas na ultima seqüência os atores souberam do final.

Além de sequências antológicas, “Casablanca” tem um formidável grupo de atores. Humphrey Bogart, o mais moderno ator na era clássica de Hollywood, faz um Rick à sua imagem e, embora se possa supor que o tipo se sobrepunha ao ator, era extremamente talentoso, como demonstrou ao longo de sua filmografia. A sueca Ingrid Bergman, ainda novata nos EUA, se tornaria uma das maiores atrizes de sua geração, filmando com diretores como Alfred Hitchcock, Roberto Rosselini e Ingmar Bergman; interpreta uma dividida Ilsa e a sua beleza é um dos momentos altos de todo cinema. Embora num papel chave, Paul Henreid faz um apenas correto e convincente Victor Laszlo. Fazendo o mesquinho e desprezível Ugarte, está a pequena figura mas um ator de primeira grandeza, o húngaro Peter Lorre, imigrante da Alemanha onde atuou naquela que é das maiores interpretações masculinas em “M – O Vampiro de Dusseldorf” de Fritz Lang em 1931. Também da Alemanha veio Conrad Veidt interpretando o nazista Major Strasser; ironicamente, Veidt era um ferrenho opositor do nazismo e atuou no clássico do expressionismo alemão “O Gabinete do Doutor Caligari” de Robert Vienne em 1919. Melhor ainda a atuação de Claude Rains como o dúbio Capitão Renault; é tão cínico quanto Rick, mas mais mesquinho e oportunista, utilizando-se da diplomacia para os seus escusos interesses, mas nos reservará uma surpresa no final; ele é quem acompanha toda a transformação de Rick.

Ao heroísmo, em “Casablanca”, é imprescindível a abnegação e o risco. A construção do filme se baseia nesta premissa, na gradativa transformação que o reencontro com Ilse e o destino impõem ao desencantado Rick. Se no começo ele afirma que não arrisca seu pescoço por ninguém, é porque o amor e a própria história se encarregaram de lhe mostrar que o envolvimento, qualquer que seja, resultou, no seu caso, em fracasso. No entanto, nesse homem cínico subjaz um romântico incorrigível que nem a guerra e a desilusão amorosa enterraram, como observa o Capitão Renault. Há um duplo reencontro em Rick: o seu amor por Ilse e o ideal de um mundo livre, representado por Victor Lazlo e pelos exilados políticos que freqüentam seu bar. Em dado momento, à sua maneira, ajuda um casal tcheco a obter os passaportes para a fuga, sob olhares atônitos do Capitão Renault. Em outro, quando oficiais nazistas cantam temas alemães, Rick, assumindo as conseqüências, permite a Lazlo conduzir a Marselhesa, acompanhado pelos estrangeiros presentes no bar. E no final, quando as verdades emergem à cada um, a resistência heróica e a lembrança renascida do amor se fundem para não serem mais esquecidas, assim como jamais esqueceremos “Casablanca”.

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