sexta-feira, 17 de abril de 2009

ABC DA GREVE - 1979/90 Dir: Leon Hirszman


No encontro do G-20 em Londres (abril de 2009), um fato foi tão noticiado quanto o aporte de um trilhão de dólares para o FMI na tentativa de salvar a economia do planeta: uma imagem captada pela BBC mostra Barack Obama entrando no centro de convenções, caminhando altivo e direto ao encontro de um pequeno grupo de pessoas; irreverente, estende a mão a um Lula quase surpreso e diz : “This is my man, right here, I love this guy", diante de atônitos chefes de estado. A imagem circula o mundo.

Trinta e um anos antes, quando Obana tinha dezessete anos, Leon Hirszman e sua equipe filmavam “Eles não usam black tie” quando eclodem as greves que paralisaram as maiores industrias automobilísticas do país instaladas no ABC paulista. Diante da mobilização de 150 mil trabalhadores com o torneiro mecânico Luis Inácio da Silva, o Lula, o presidente do sindicato dos metalúrgicos, à frente, e a ameaça de intervenção por parte do governo, o cineasta Leon Hirszman partiu com alguns membros da equipe para registrar os acontecimentos vivos em plena ditadura militar. É o retrato daquelas dias o tema do documentário de longa metragem “ABC da Greve” lançado numa excepcional caixa da VideoFilmes junto com “Eles não usam black tie” e outros curtas. A edição final do filme só foi concluída em 1990, após a morte de Leon Hirszman.

O cinema de Hirszman é didático: apresenta as mazelas dos trabalhadores, as desigualdades e as contradições sociais frutos da luta de classes; trata-se de uma obra de Hirszman exemplar dos duros anos de dualismo evidenciado, onde tomar partido, com as suas conseqüências, estava ligado à honestidade intelectual. Isso explica muitas das cenas onde são mostradas favelas ao lado das fábricas, a retórica vazia dos representantes das empresas e do governo, o retrato do inferno na fundição de aço; ao mesmo tempo, Hirszman dá voz e rosto aos trabalhadores, pessoas comuns, acompanhando-as às manifestações na fábrica, nas ruas e nas casas.

Há um momento em que Lula está no paço municipal de São Bernardo e milhares de trabalhadores aguardam a sua vez de falar. A tensão é tanta que os sindicalistas e o próprio Lula sequer notam a presença da equipe de filmagem. Seu semblante carregado demonstra a consciência dos riscos que palavras mal empregadas ou idéias desarticuladas podem causar à greve e ao destino daquelas pessoas. Com um cigarro na mão e a camisa cafona, Lula caminha em direção do povo; a câmera o acompanha e posiciona-se ao seu lado; quando começa a falar, total silencio, irrompidos com aplausos. Este “ABC da Greve” é um antecedente necessário para os documentários contemporâneos de Eduardo Coutinho – “Peões” - e de João Moreira Salles – “Entreatos”.

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