quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Let it be – 1970 – Dir. Michael Lindsay-Hoog




Escrevo ainda sob o impacto do show do Paul McCartney há uma semana, resistindo à tentação de descrever as várias maravilhas que embalaram uma noite inesquecível. Mas como este espaço é dedicada a cinema e filmes, uma pequena e paradoxal homenagem é comentar o documentário Let It Be, lançado há exatos 40 anos. Paradoxal pois trata-se do registro da dissolução, ou o começo dela, da maior banda de todos os tempos e todo clima de tensão está lá, as claras, sem disfarces, o que dará sempre, a todos que amam os Beatles, uma sensação de tristeza e melancolia ao assistir o filme.



Os Beatles se notabilizaram, entre tantas outras qualidades (fora a música, claro), pela alegria da vida, pelo humor nonsense, pela aventura da experimentação, e este imaginário popular muito se deveu aos filmes “A Hard Days Night”, “Help”, “Magical Mistery Tour” e “Yellow Submarine”. Não obstante terem composto algumas das musicas mais tristes como “Eleanor Rigby”, “Long Long Long”, “She Leaving Home”, e outras certamente tensas como “Yer Blues”, “Helter Skelter”, a imagem dos Beatles eram luminosas como encontrar amigos que te entendem e te levantam o astral.



A idéia do filme foi de Paul, assumidamente o líder da banda na época, e consistia em filmar tudo e da maneira mais honesta possível o cotidiano da banda durante os preparativos de um show. O nome original era “Get Back” e representaria, para Paul, uma volta às origens, sem efeitos nem grandes produções, um som mais próximo ao inicio da carreira.



E assim iniciaram as filmagens. Mas desabaram todos os problemas em razão do desinteresse de John Lennon e George Harrison que já não suportavam as pressões e nem a liderança otimista e negligente de Paul. John estava apaixonado por Yoko Ono e não desgrudava dela; no filme é quase como se fossem um só. George é quase sempre irritação e, noutras vezes, apático; uma das cenas mais famosas é sua discussão com Paul. Quanto a Ringo Starr, embora sempre tenha sido a figura do amigo de todos, agregador, a frustração geral também o abate.



Tudo está lá, em 90 minutos. É um registro, e nisso reside a sua ousadia. Não ousadia formal, pois o diretor Michael Lindsay-Hoog segue basicamente os padrões estabelecidos pelo que se convencionou a chamar de cinema verdade na Europa ou cinema direto no Estados Unidos. Mas, ao capturar o real, sem subterfugios, sem filtros que não fossem a edição de 28 horas de filmagem, Let it Be não registra o “ser”, pois certamente, como já disse acima, e para todos os que conhecem, o fenômeno Beatles “é” muito mais; registra antes o “tempo”, ou seja, trata-se de recorte de um momento de uma banda que, saberemos depois, durará apenas alguns meses e mais um disco. Triste, tenso e melancolico, é sobretudo humano, assim como todos brigamos, desanimamos, queremos mudar de vida e de trabalho, mesmo que este trabalho seja nos Beatles. Pois Let it Be é honesto na medida em que mostra John, Paul, George e Ringo como individuos em busca do caminho para suas vidas, tendo de enfrentar toda situação que os desagrada a ponto de não conseguirem se comunicar.



Mas há a musica, e é dos Beatles! E mesmo uma pessoa com o coração de pedra se encantará, quando não se comover, com os quatro rapazes, ainda jovens mas envelhecidos pelo fastio do sucesso, quando estes compoem, ensaiam e tocam suas melodias. Ai temos a lenta progressão até chegar, John e Paul cantando juntos a "Two of Us"; o raro blues de George Harrison em "For You Blue"; John e Yoko dançando ao som da inusitada e bem humorada"Besame Mucho"; o fantástico show no telhado dos estudios de Abbey Road com "I've Got a Feeling" "Get Back" e "Don't Let Me Down"; e as lindas e singelas "The Long and Winding Road" e "Let It Be", num registro sem os efeitos, talvez as musicas que melhor capturaram aquele momento.

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