O iraniano Abbas Kiarostami é o maior cineasta em atividade do mundo, mas qualquer de suas obras, numa primeira visão, pode, ao mesmo tempo, causar tanto o encantamento pela rara beleza como o tédio pela lentidão e do não acontecer, tudo na mesma medida. É de paradoxos a filmografia de Kiarostami: sob a aparente e quase óbvia simplicidade, sem qualquer radicalismo visual, há um processo sofisticadíssimo de captação do real, do jogo na qual verdade e ficção se permeiam e se confundem. Além da excepcional beleza estética, sonora e narrativa de seus filmes que se harmonizam com a natureza, há dois aspectos de respeito ao humano fundamentais em Kiarostami: no modo de filmar os atores, quase na sua totalidade amadores, e sua relação com o próprio espectador, já não mais um sujeito passivo diante da imposição de um diretor do que assistir, mas como um verdadeiro participante na jornada proposta em cada um de seus filmes.
“A Vida Continua” ou “A Vida e Nada Mais”, os dois títulos vinham juntos quando exibido no Brasil, faz parte de certa e não declarada trilogia com “Através das Oliveiras” e “Onde fica a Casa de Meu Amigo”. É preciso contar um pouco destes filmes e relacioná-los para entender o método Kiarostami de trabalhar com o real. “Onde fica a Casa de Meu Amigo” é a única história independente que narra a saga de lealdade de dois garotos amigos na aldeia iraniana de Koker. “A Vida Continua” conta a história do diretor de “Onde fica a Casa de Meu Amigo” e seu filho em busca das crianças atores deste filme na aldeia de Koker, atingida pelo terremoto em 1990 e saber se estão vivas. E “Através das Oliveiras”, narra incidentes de um amor entre atores na filmagem de “A Vida Continua” na qual o diretor e seu filho são atores secundários. Neste jogo de entrelaçamentos, “A Vida Continua” é o filme do meio, mas com autonomia ficcional e narrativa.
A busca do diretor e de seu filho pelos atores mirins é feito com um velho automóvel percorrendo a árida paisagem devastada pelo terremoto no Irã. Tudo apontará para o trágico. Mas não trilha por esse caminho, certamente mais fácil, Kiarostami. Ele prefere a vida. A reconstrução dos seus moradores a partir dos escombros, com o barulho intermitente de caminhões, britadeiras, marretadas, todos os sons e imagens se dirigem para os elementos vitais, como se a vida fruísse involuntariamente aos sentimentos que poderíamos impingir pelas milhares de mortes que sabemos presentes.
Pois este elemento vital respira em todos os instantes nos caminhos percorridos pelo diretor e seu filho. As narrativas de tomadas longas, as vezes com a câmera mais distante, como as nos inserir nas paisagens, apresentam esse fluxo de vida, não com uma profusão de imagens, mas com o tempo preciso da apreciação, o tempo do convite a viver com aquelas pessoas, junto delas. Em muitos momentos, pelo fato de ter sido filmado em locações, com iluminação natural e atores amadores, parecerá um documentário, mas de um tipo diverso, na qual participamos num processo invisível de envolvimento com a situação que de fato ocorreu, o terremoto. Este realismo, ou a nossa própria percepção do real, se dá em outro nível, como se nós próprios percorrêssemos naquele tempo, os mesmos caminhos, ainda que nos detenhamos por esta ou aquela história, pessoa ou lugar em particular.
“A Vida Continua” ou “A Vida e Nada Mais”, os dois títulos vinham juntos quando exibido no Brasil, faz parte de certa e não declarada trilogia com “Através das Oliveiras” e “Onde fica a Casa de Meu Amigo”. É preciso contar um pouco destes filmes e relacioná-los para entender o método Kiarostami de trabalhar com o real. “Onde fica a Casa de Meu Amigo” é a única história independente que narra a saga de lealdade de dois garotos amigos na aldeia iraniana de Koker. “A Vida Continua” conta a história do diretor de “Onde fica a Casa de Meu Amigo” e seu filho em busca das crianças atores deste filme na aldeia de Koker, atingida pelo terremoto em 1990 e saber se estão vivas. E “Através das Oliveiras”, narra incidentes de um amor entre atores na filmagem de “A Vida Continua” na qual o diretor e seu filho são atores secundários. Neste jogo de entrelaçamentos, “A Vida Continua” é o filme do meio, mas com autonomia ficcional e narrativa.
A busca do diretor e de seu filho pelos atores mirins é feito com um velho automóvel percorrendo a árida paisagem devastada pelo terremoto no Irã. Tudo apontará para o trágico. Mas não trilha por esse caminho, certamente mais fácil, Kiarostami. Ele prefere a vida. A reconstrução dos seus moradores a partir dos escombros, com o barulho intermitente de caminhões, britadeiras, marretadas, todos os sons e imagens se dirigem para os elementos vitais, como se a vida fruísse involuntariamente aos sentimentos que poderíamos impingir pelas milhares de mortes que sabemos presentes.
Pois este elemento vital respira em todos os instantes nos caminhos percorridos pelo diretor e seu filho. As narrativas de tomadas longas, as vezes com a câmera mais distante, como as nos inserir nas paisagens, apresentam esse fluxo de vida, não com uma profusão de imagens, mas com o tempo preciso da apreciação, o tempo do convite a viver com aquelas pessoas, junto delas. Em muitos momentos, pelo fato de ter sido filmado em locações, com iluminação natural e atores amadores, parecerá um documentário, mas de um tipo diverso, na qual participamos num processo invisível de envolvimento com a situação que de fato ocorreu, o terremoto. Este realismo, ou a nossa própria percepção do real, se dá em outro nível, como se nós próprios percorrêssemos naquele tempo, os mesmos caminhos, ainda que nos detenhamos por esta ou aquela história, pessoa ou lugar em particular.
Os caminhos de Kiarostami são, ao mesmo tempo complexos e simples como os próprios caminhos de nossas vidas. Filmando as pessoas e suas vozes, já não mais o vemos como moradores de qualquer aldeia devastada por um terremoto e não sentimos mais qualquer diferença entre nós e os iranianos trabalhando para retomar suas vidas: somos todos de uma mesma comunidade universal em busca da felicidade que nos une.
A modernidade em Kiarostami não permite fechar o filme (a nossa vida é fechada?) mas em abri-la em varias possibilidades e a nos convidar a complementá-las. Esta é a chave do filme, a nos permitir, espectadores, a preencher lacunas, a sermos co-realizadores, numa generosidade praticamente inexistente em qualquer das artes. E, sobretudo, a não nos perecer pelas tragédias inerentes à vida. Em uma cena tocante e inusitada para nós, o filho do diretor pede a este para permanecer uma tarde num acampamento de refugiados pois irá passar na televisão o jogo Brasil e Escócia na Copa de 1990. É a vida e nada mais.